REFLEXÕES 16 / FALANDO PARA AS PAREDES
Atenção:
Aquilo que se fala, não é mesmo que é entendido.
As vezes tenho essa estranha sensação
quando me deparo com alguns interlocutores, que não entendem aquilo que estou
falando. Não sei se é por distração, desinteresse ou deficiência cognitiva.
Tento ser o mais claro,
simples e didático possível ao fazer um pedido, expor uma ideia, um projeto ou
manifestar um sentimento; mesmo assim nem sempre sou compreendido, como se
fosse necessário desenhar ou explicar melhor.
Claro que a comunicação efetiva
depende da capacidade do interlocutor de entender a mensagem que será
transmitida. Assim se está falando com uma criança é uma coisa; num auditório
técnico, numa assembleia, numa sala de aula são outros quinhentos. Para cada um
particular deve se usar uma linguagem que seja acessível a todos,
diferentemente de querer a agradar a todos.
Claro que como portador de um vocabulário
mais amplo, as vezes me escapa naturalmente uma palavra mais difícil e erudita
ou eventualmente técnica obrigatória. Mas para ser mais bem compreendido, não
costumo falar por metáforas, símbolos ou ironias, para não complicar, mas procurando
exemplos e analogias que podem ilustrar melhor a ideia ou situação.
Vejamos algumas situações curiosas
onde isso ocorre, frequentemente.
1. - Falando com um prefeito para explicar alguns
projetos urbanos elaborados para seu município, expliquei separadamente as
soluções apresentadas para alguns problemas ligados a urbanização de praças,
praias e outros de equipamentos como bibliotecas, creches etc. Todos eles
acompanhados de desenhos e as justificativas necessárias.
O prefeito ouviu, com aquela cara
de paisagem, e disse que o problema maior do município era de asfalto,
acrescentando que era isso que ele ia fazer. Não discordei, mas percebi que o diálogo
já começava atravessado. Você fala A e ele está ligado em B. Parece que falamos
em idiomas diferentes.
Mesmo assim ponderei que esse
investimento iria piorar a questão das enchentes na cidade, pois ia aumentar
sua impermeabilidade. Não se deu por vencido. Disse que já tinha financiamento
e era isso que ia fazer.
Resultado: começou a asfaltar,
acabou a verba, deixou o serviço inacabado, piorando os aspectos que queria
melhorar e os outros decorrentes.
Quanto as minhas propostas,
ficou de analisar. Isso nunca aconteceu.
Até as paredes do gabinete,
ficaram decepcionadas.
2. - Numa situação de sala de aula as dúvidas sempre
são benvindas; mas uma vez esclarecidas, deveriam ser sanadas; mas não é bem
assim que acontece. Constata-se na prova que não foram bem entendidas, pois as
notas baixas comprovam a não compreensão.
Ou em outras
questões mais complexas, como analisar um projeto que apresenta falhas básicas,
orientando para as suas correções, percebe-se na avaliação final que eles não
foram corrigidos, por falta de entendimento.Aqui
as paredes estão carecas de presenciar esses fatos todo ano letivo.
3. - Num relacionamento amoroso o diálogo é sempre
mais difícil para expressar os sentimentos gerados desse convívio; as palavras nem
sempre são o melhor veículo para essa manifestação. A banalização das palavras
como amor, querida não são suficientes. Gestos e atitudes precisam complementar
o diálogo, para a necessária compreensão e harmonia.
E pior
é quando a conversa precisa ser direta e racional, para resolver um problema
simples, mas que fica ofuscada pelo envolvimento do lado sentimental ou outro
interesse oculto envolvidos. Raramente há espaço para a objetividade. Quer ver:
Onde
você quer sentar-se? Não, ali não. É melhor do outro lado.
O que
você vai comer? Quero lasanha. Mas não viemos numa churrascaria?
Vamos
por aqui? Não, quero ir para o outro lado.
Quanto
tempo ainda tenho que esperar? Quando terminar de me arrumar te aviso. Depois
de horas: Estou bem?
Pegou
as chaves? Não está na bolsa. Acho que perdi.
Aqui
as paredes são testemunhas das brigas e também de outros prazeres noturnos.
4. - Falando com surdos, velhos ou novos. É aquele
sufoco E preciso repetir, gritar e gesticular para ser entendido.
- Você
quer ir para a Barra Funda?
-
Aquela mulher é imunda?
- Não
foi isso que quis dizer.
- O que
isso tem a ver?
E por aí
vai esse autêntico diálogo de surdos, que nem as paredes entendem.
5. - Num bar falando sobre futebol imagina como é a
conversa entre vários torcedores de times diferentes, bebendo cerveja e comendo
amendoim ou torresmo. Claro que ninguém se entende. Mas o objetivo não é este. E
desopilar, para chegar mais leve em casa e não brigar com a mulher. Cada um
fala mais alto que outro, como se isso fosse necessário para convencer o outro.
- O
Messi é o melhor de todos. -Para mim é o Cristiano Ronaldo. -Como a seleção de 70
não tem igual. -O Neymar é um pipoqueiro. -Flamengo é o maior. - Aquele juiz é
um ladrão. Aquela bandeirinha é gostosa.
E por aí
vai, até pedirem a saideira.
Como
se vê são monólogos, dirigidos para as paredes, como se fora um ente etéreo e confidente.
6. - Na mesa familiar italiana no almoço de domingo
O mais
velho fica na cabeceira, podendo ser o nono ou o pai; as crianças ficam numa
mesa à parte e o cachorro esperando a sobra.
Todos
falam com as mãos, juntos, bem alto e de boca cheia, recheados de palavrões. O
assunto não tem nenhuma importância.
- O
que comeram ontem; - O que vão comer a noite. - A melhor pizzaria é a Bela
Napoli. - O parente que está doente. -Os corneteiros não deixam o Parmera em
paz. - Saudade da Sicília, Calábria. - Aquele não passa deste ano. -Quem não
está presente é um defichenti, malcalsone, farabuto.
No
caso, o quadro ou a foto na parede é que testemunha tudo, em silencio, as vezes
rindo.
7. - Numa Roda de amigos sobre política
Quando
isso ainda era possível, pois agora a radicalização tomou conta
- Essa
reforma de previdência veio para tirar os direitos dos trabalhadores.
- Mas
ela vai acertar as contas do governo.
- Querem
enfiar a capitalização, modelo Chile, goela abaixo da nação.
- O STF
é um covil de ladrões. Tudo vendido
- PT
nunca mais. Bolsonaro é o mito.
Como
se vê nesse caso não há diálogo, mas sim posições antagônicas, radicais, arraigadas,
sem nenhum argumento para convencer a parte contrária, considerada inimiga, que
precisa ser abatida.
Não há
objetivos de se estabelecer consensos para resolver impasses e avançar em
soluções democráticas.
Cada
um fala para si, como para as paredes, que sentem vergonha.
8. - Conversa com os netos
Aí o
feitiço vira contra o feiticeiro. É você que não entende o que eles falam, pois
eles se expressam noutro idioma, que é antropofágico com as palavras, tem gíria
própria, além de ser virtual.
Gíria
jovem sempre houve. O problema agora é que você é a vítima.
- E ae
vô. Q q rola vô. Tô na balada, mano. -Mtt saúde pra vc. -Pra vc tbm vô. -E aí
bebê, vem de Zap? - Ele é meu crush (No
meu tempo crush era um refri amarelo) - Eu sou top.- A festa tá bombando. - Não
flopou.
Será que
eles voltam a falar português, mais tarde?
Conclusão
geral: Às vezes tenho dúvidas daquele
ditado que diz que conversando é que se entende.
Edison
Eloy de Souza / janeiro 2020