REFLEXÕES 14 / SOBRE A (I)MORTALIDADE
A idade vai aumentando, os
parentes próximos vão nos deixando, os amigos vão morrendo e você vai ficando
só, aguardando a sua vez.
Tenho experimentado essa sensação
de abandono cada vez mais forte, mais apertada, a cada parente, amigo ou
conhecido que se vai, a cada figura importante das artes, da cultura, da ciência,
mesmo distante do nosso convívio, que admiramos, e que nos deixa.
Vamos ficando
cada vez mais órfãos e mais carentes, como se fossemos nos desprendendo do
nosso tempo.
Ficamos também bastante tristes
quando não são devidamente respeitadas ou reconhecidas, figuras importantes, de
todas as áreas humanas, que deram sua vida para iluminar nosso conhecimento e
já estão indo.
Nesse cenário, nosso universo de
relações e amizades, construído ao longo da vida, vai ficando cada vez menor e
mais limitado, quase um pequeno quintal. O horizonte aberto que era rico e imenso, vai se
empobrecendo e se estreitando, como se quisesse nos isolar e engolir.
As perdas e despedidas, sempre
doloridas, vão se tornando mais frequentes, menos espaçadas, deixando vazios e
lembranças irrecuperáveis. Nunca estamos preparados para elas. Lidamos mal com isso.
Elas são mais sentidas agora
quando estamos mais velhos, onde o excesso de tempo livre acaba nos levando a
uma espécie de somatização, onde há muito espaço para pensar e pouco para agir.
Fomos criados e formados para sermos
uteis e produtivos o tempo todo, a fim de cumprirmos nossos compromissos pessoais
e sociais ligados à sobrevivência, a ascensão, ao reconhecimento e ao sucesso,
sem descanso.
Estamos pouco preparados para o
fim dessa longa fase dita produtiva, dinâmica, quando ela é substituída por
outra onde a ocupação do tempo ocioso, que é quase total, se impõe de forma
inexorável.
A sensação de inutilidade que
isso acompanha destrói nossas forças, corrói nosso pensamento e dificulta esse difícil
enfrentamento. Parece que você não serve para mais nada e para mais ninguém. E
você luta para se manter vivo e não quer ser um estorvo para ninguém.
Claro que é preciso aceitar
que não somos imortais, que a vida continua depois de nós, que se renova nos nossos
descendentes, filhos, netos e inúmeras outras crianças que nascem; mas é
preciso muita maturidade e discernimento para absorver esse processo, com
naturalidade e equilíbrio.
O desapego aos bens materiais,
ao patrimônio construído, também vai se instalando e se soma a esse processo de
retirada. Essas coisas perdem seu valor e vão ficando pra trás.
A finitude da nossa existência
física é uma condição inexorável, difícil de aceitar. Ninguém quer morrer.
Lutamos pela nossa vida até o fim, que veio como uma dádiva ao nascermos.
Nos
apegamos a ela com todo o vigor. Não é justificável, ético ou lícito tentarmos
interromper esse percurso natural, num momento de fraqueza qualquer.
A ciência trabalha para
prolongar nossa vida biológica, a fim de nos garantir uma longevidade com saúde
e qualidade. Sem falar nas pesquisas com embriões e células tronco, ela já transplanta
órgãos artificiais ou aproveita outros de uma pessoa com morte encefálica para
salvar a vida de outros. Isso é maravilhoso.
Chegaremos a criar embriões
humanos? Chegar à imortalidade? A que preço e para que? Os espíritos puros e as
religiões torcem o nariz para estas hipóteses.
Num outro aspecto diferente e
mais abrangente, já está comprovado que tratamos mal e de forma violenta a mãe natureza
responsável pela nossa morada, pondo em risco nossa própria existência e longevidade
de forma sustentável. É preciso cuidado com isso.
As religiões tradicionais garantem
que só a alma, o espírito têm a imortalidade; os espiritas pregam a reencarnação;
outras, mais pragmáticas, defendem o aqui e agora, cobrando um alto dízimo para
essa garantia.
Enquanto isso, nós, considerados
simples mortais e com livre arbítrio, vamos tocando a nossa sina, recheados de dúvidas
existenciais, como fugazes passageiros dessa maravilhosa nave terra.
Edison Eloy de Souza / dezembro
2019
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